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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

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(...) Na manhã de 19 de janeiro de 1982, pelo telefone, Marília (Pêra) me disse, com voz pausada e contida, que tinha uma notícia ruim sobre Elis. Comecei a chorar. Parada cardíaca, álcool e cocaína. Sozinha trancada no quarto. Três filhos. Trinta e seis anos!!!

Fui imediatamente para SP, para o Teatro Bandeirantes, onde o corpo de Elis estava sendo velado e uma multidão chorava a perda de sua estrela. Abracei César e Ronaldo, que choravam muito. Atrás do vidro do caixão, com os cabelos curtinhos e o rosto sereno, Elis vestia a camiseta de seu programa da série "Grandes Nomes" que tinha sido proibido pela censura (...)

A cidade onde ela floresceu para o sucesso, onde viveu seus grandes triunfos e a maior parte da sua vida artística parou para chorar a sua estrela. No alto do carro do Corpo de Bombeiros, coberta de flores, Elis percorreu as ruas da cidade pela última vez, ovacionada pelas multidões que encheram as janelas e calçadas de todo o trajeto até o Cemitério do Morumbi. Nunca um artista brasileiro recebeu igual consagração popular. Acompanhei o cortejo no carro da amiga jornalista Regina Echeverría, devastado de tristeza e perplexo. Trinta e seis anos!!!! Entre Krishna e Lacan, entre Cristo e Buda, entre cabeça e coração, procuro um sentido e um consolo para aquela perda, imagino o avesso de um milagre, do mesmo milagre que fez de uma garota baixinha e pobre da periferia de Porto Alegre uma das maiores cantoras do mundo. Vivi sua morte como um anti-milagre. Para mim era novidade até que Elis estivesse cheirando pesado nos últimos meses, não fazia seu estilo. Elis nunca foi drogada, nem dependente de nada. Bebia um pouco de vez em quando, fumava um baseado aqui e ali, mas nunca fez nada compulsivamente. Estava entrando na cocaína numa hora em que muita gente já estava começando a sair. Pior: sempre preocupada com a voz, a garganta, seus maiores bens, estava evitando inalar cocaína, preferindo misturá-la com uísque: dessa forma a droga vai para o estômago e demora mais a entrar na corrente sanguínea  tornando muito difícil controlar as quantidades. Foi o que matou Elis.

(...)

Noites Tropicais - Nelson Motta

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